Por: Nando Poeta, do Instituto Latino-Americano de Estudos Socioeconômicos (Ilaese)
O serviço público, ao longo da existência do Estado, foi a forma organizacional de sustentação da máquina governamental. A natureza do Estado capitalista é voltada para a manutenção e sustentação dos interesses da classe dominante, apesar de que as leis incorporadas às Constituições, falem em garantir a socialização e a defesa dos interesses do bem comum para a maioria da população.
Na realidade, o Estado capitalista é um aparelho burocrático que está a serviço de garantir o poder, o controle, a dominação e alienação, com objetivos de dar a sustentação aos grupos que dominam os meios de produção. Portanto, a possibilidade de dar um caráter ao Estado de uma instituição democratizante, a serviço da maioria da população, é irreal.
O arcaico pensamento de que o servidor público era uma mera peça da máquina estatal, alienado, incapaz de se aliar aos demais trabalhadores, com o envolvimento dos servidores nas lutas essa visão burguesa do papel do servidor público se desmorona.
Já nos anos 50, o movimento sindical impulsionou a organização dos servidores públicos no Brasil, estimulando a construção de associações nos órgãos específicos que cumprissem o papel de verdadeiros sindicatos para defesa das reivindicações dos servidores públicos, entre as reivindicações prioritárias, estava o direito de sindicalização dos servidores públicos.
Com as suas associações formadas e a realizações de congressos dos segmentos do serviço público, passaram a lutar pela implantação dos Planos de Classificação de Cargos e Funções.
Essas entidades, que em um primeiro momento cumpriam um papel recreativo e cultural, no futuro se transformam nas associações de caráter sindical.
Com a intensificação da organização e das lutas dos servidores públicos se conquistaram alguns direitos, como em 1962, a Lei que assegura a efetividade de todos os servidores públicos.
Em 1964 vem o golpe militar que impõe uma limitação à organização do conjunto dos trabalhadores. Em 1966 ocorre o Congresso dos Servidores Públicos do Brasil, mas já sob a tutela do regime militar. Um evento vigiado pelos olhares dos tiranos ditadores.
No regime militar, apesar da limitação imposta pelos militares, os servidores públicos deram prosseguimento à criação de suas associações, e passaram a desenvolver um trabalho persistente de construção das suas lutas e organizações de classe.
Em 1977, os empresários, dentro dos seus planos de reestruturação, realizam a IV Conferência Nacional das Classes Produtoras (CONCLAP).
Em novembro de 1977, sindicalistas da área reformista escrevem nos jornais: "Por que não um CONCLAT?" (Livro: CUT - Por dentro e por fora)
No ano seguinte estoura as greves dos metalúrgicos do ABC. Em 1979, as greves metalúrgicas continuam com toda força. Nesse mesmo ano é convocado o Encontro Nacional das Oposições Sindicais (ENOS).
A Oposição Sindical Metalúrgica de São Paulo (OSM/SP) defende:
“Unificar todas as oposições existentes e todas as diretorias combativas num amplo movimento nacional que organize os trabalhadores de forma independente, expulsando os pelegos de todos os sindicatos, e não respeitando as leis que controlam as atividades sindicais”.
Organizando-se e unificando suas lutas reivindicando seus direitos, sendo protagonistas de longas greves.
Em dezembro de 1978, o governo aprovou uma Lei que redefine o número de atividades essenciais e estabelece como Crime de Segurança Nacional “a paralisação ou diminuição do ritmo normal do serviço público ou atividade essencial definida em Lei, bem como a paralisação coletiva por parte dos funcionários públicos".
Em 1979, vários segmentos de servidores públicos incentivados pela greve dos metalúrgicos do ABC paulista, desencadearam greves pelo país afora.
Durante toda a década de 80, os servidores públicos estiveram na linha de frente das jornadas de lutas, impulsionadas pela a CUT, central sindical construída no ano de 1983.
O movimento sindical, com destaque para os servidores públicos, travaram uma luta incansável por ampliar os direitos dos trabalhadores e trabalhadoras do setor do serviço público.
A busca pelo direito de sindicalização e livre organização sindical, direito de greve, planos de carreiras e isonomia, foram pautado nas lutas dos servidores públicos e do conjunto da classe trabalhadora.
Chegamos no final da década de 80, com a organização e a luta dos servidores públicos num patamar extremamente avançado. Com a aprovação da Constituição de 1988, o direito a sindicalização dos servidores públicos é incorporado à carta magna, apesar de não ter garantido um sistema de negociação para os conflitos salariais nas instâncias governamentais.
O setor de saúde entra em cena e inicia-se o processo da organização sindical que daria origem ao Sindsaúde RN
Exatamente no final da década de 80, abriu-se a luta pela instituição de um programa público de saúde, que depois avançou para o formato do Sistema Único de Saúde (SUS), que conhecemos hoje.
Naquela época, os trabalhadores de saúde de todo país desenvolveram uma batalha, com greves e mobilizações na luta pela implantação do SUS.
A Saúde do RN, como parte desse processo nacional, era pulverizada em várias entidades sindicais específicas, que se unem e organizam a primeira greve em defesa do SUS em 1988.
Os técnicos de enfermagem e os ASGs da saúde eram base da Associação Norte-Rio-Grandense de Servidores Estaduais - ANSE/RN, que, depois de 1988, com direito à sindicalização, constituíram o SINSP/RN, sindicato que abrigou os servidores públicos estaduais.
Os demais segmentos da saúde estavam organizados em sindicatos por categorias: odontólogos, enfermeiros, assistentes sociais, psicólogos, médicos, etc.
A luta unificada de todos os segmentos da saúde pública pelo SUS, fomentou a discussão entre os trabalhadores da saúde, a importância da construção de um sindicato que unificasse o conjunto dos trabalhadores da área de saúde. Essa já era a dinâmica que estava se dando em outros ramos de atividades, como a Educação. Já em 1989, os servidores da educação haviam saído do Sinsp/RN e se incorporado ao Sinte/RN, sindicato que surge para reunir todos os trabalhadores da educação.
Com o avanço da discussão entre os setores da saúde, o movimento sindical da área, tendo à frente a maioria das organizações de categorias integrantes da saúde, decidem fundar o Sindsaúde RN, para aglutinar todos os segmentos da saúde em um único sindicato. O objetivo era fortalecer a organização e a luta dos trabalhadores da saúde pública do RN.
O Sindsaúde RN é formado no dia 13 de dezembro de 1990, com a sua primeira direção à frente, para cumprir um mandato de 2 anos. Apenas os segmentos dos médicos não se dispuserem a integrar ao novo sindicato.
Em 1992, o ano que teríamos a primeira eleição do Sindsaúde, foi o ano em que o Brasil ganhou as ruas exigindo o impeachment de Fernando Collor de Melo, na época este movimento ganhou força no seio da juventude.
Os sindicatos filiados à CUT, por estarem influenciados pelo PT, não se incorporaram desde o seu início da campanha pelo Fora Collor. O PT só decidiu entrar na campanha em julho de 1992, já próximo à votação do impeachment de Collor. O Congresso do PT, em 1991, desautorizou a militância a apoiar o Fora Collor; quem discordasse seria expulso do partido.
Em 1992, a maioria da primeira direção do Sindsaúde não tinha mais planos para continuar no sindicato, chegando ao final dos dois anos de mandatos totalmente desarticulada.
Foi aí quando organizou-se uma chapa para concorrer às eleições, bem na época do Fora Collor. O grupo que teve a iniciativa de construir a chapa, teve a participação de integrantes da Convergência Socialista, que naquele momento havia sido expulsa do PT, por já discordar dos rumos que o partido estava tomando. Portanto, os militantes da saúde que faziam parte da Convergência Socialista se somam aos profissionais da saúde independentes e conformam a CHAPA 1.
No calor de uma greve da saúde, aconteceu as eleições para o Sindicato entre duas chapas. A Chapa 1, apoiada pelo grupo da Convergência Socialista, encabeçada por Sônia Godeiro, venceu.
A nova direção assume a condução do sindicato, na época com apenas 2 mil sócios, e procuram desenvolver uma campanha de sócios para ajudar no crescimento do sindicato, como também na sua consolidação.
Durante toda década de 90, a luta foi incansável contra os governos (Itamar, Fernando Henrique Cardoso) que insistiam em impor suas reformas, como a trabalhista e a previdenciária. Suas políticas mantinha defasados os salários, com perdas salariais históricas, e ampliavam a falta de condições de trabalho e a terceirização no serviço público.
Toda essa situação levou os servidores públicos à vanguarda das lutas contra esses governos e seus ataques. Neste período, o Sindsaúde protagonizou inúmeras greves em defesa dos interesses dos trabalhadores da área de saúde como dos demais trabalhadores, lutando por um sistema de saúde eficiente.
O Sindsaúde foi fundado já filiado à CUT
Em 2003, o Governo Lula lançou a reforma da Previdência, que atingiu em cheio os servidores públicos, criando uma insatisfação entre os servidores públicos que haviam apoiado massivamente a campanha de Lula. Os sindicatos dos servidores federais responde com uma poderosa greve em todo o país, que não tem o apoio da CUT. A Central terminou por apoiar o Governo Lula com sua reforma.
Aqui no RN, o Sindsaúde estava em uma greve estadual e bem no calor da luta, os profissionais da área de saúde do Rio Grande do Norte, integrados na luta contra a reforma petista, se somam aos sindicatos dos servidores públicos federais que haviam deflagrado uma poderosa greve nacional contra a reforma da Previdência.
Nas assembleias de greves, as direções sindicais questionavam a postura da Direção da CUT, de ficar ao lado desse ataque do governo, e passaram a votar pela suspensão do pagamento da mensalidade à CUT e em seguida aprovaram a desfiliação da central governista.
O Sindsaúde decidiu, depois de um amplo debate durante as assembleias de greves, a também suspender o pagamento da contribuição à Central e logo em seguida, se desfilou da CUT.
Diante dessa situação, o Sindsaúde se soma ao chamado pela construção de um novo movimento que desse origem a uma nova central sindical, que mantivesse o movimento sindical classista no campo da combatividade e da independência frente aos governos.
Nos dias 13 e 14 de março de 2004, em Luziânia-GO, realizou-se o Encontro Sindical Nacional e uma das resoluções foi a criação da Coordenação Nacional de Lutas, como embrião da construção de uma nova Central Sindical e Popular.
A partir desse encontro, o Sindsaúde enviou participantes para todos eventos nacionais organizados pela CSP-Conlutas, criando um polo alternativo para impulsionar as lutas dos trabalhadores contra qualquer ataque, seja de qual for o governo.
Durante toda a sua existência, o Sindsaúde realizou vários congressos estaduais para discutir os rumos do movimento sindical, especialmente sobre as lutas da saúde e a sua organização.
Um desses congressos, aprovou-se a resolução que impede os dirigentes sindicais a se perpetuarem por um longo tempo consecutivo da direção do sindicato; agora, teria que haver alternância depois de dois mandatos. Esse mecanismo permite o surgimento de novos dirigentes sindicais, não impedindo que ex-diretores possam retornar em outro momento para a direção do Sindsaúde.
O grupo integrado por Sônia Godeiro permaneceu à frente do sindicato até o ano de 2013, quando a oposição venceu as eleições. E a partir daí, a resolução de alternância dos dirigentes entre dois mandatos consecutivos passou a vigorar. Nas eleições do Sindsaúde de 2018, por exemplo, já não puderam participar do Conselho Diretor vários dirigentes que haviam ingressado na direção de 2013.
O Sindsaúde RN chega aos seus 30 anos de existência com a marca de um sindicato que luta incansavelmente contra o ataque de qualquer governo. Agora mesmo, durante o Governo de Fátima Bezerra, quando a maioria do movimento sindical se curva à ex-diriente sindical, o Sindsaúde protagonizou uma greve de mais de 100 dias no início do governo, para defender os interesses dos trabalhadores da categoria.
E continuou a batalha, no período de pandemia, na defesa intransigente dos interesses dos trabalhadores da saúde, que estão na linha de frente sem as condições adequadas para desempenhar a suas atribuições no combate à Covid-19. Para denunciar esse desgoverno, o Sindicato promoveu uma intensa campanha nas TVs locais, como também realizou manifestações em frente aos hospitais, UPAs, e na casa da governadora Fátima Bezerra, denunciando a falta de EPIs e o descaso com os profissionais da saúde.
O Sindsaúde RN completará seus 30 anos, cada vez mais convictos que a luta é o remédio para enfrentar os ataques dos governos.
"O SINDICATO SOMOS NÓS, NOSSA FORÇA NOSSA VOZ!"