Fernanda Soares
Fernanda Soares

22/03/2023, 12h


A doula Karolina Soares, coordenadora do coletivo Rede Doular, fez um desabafo nas redes sociais na madrugada desta quarta-feira (22). Sua cliente, em trabalho de parto ativo, foi obrigada a subir dois lances de escada para dar à luz devido o elevador da Maternidade Araken estar novamente quebrado. “Subir as escadas é um risco para mulher, um risco para o bebê e um risco também para os (as) profissionais que serão responsabilizados caso algo de ruim aconteça. A escada é lisa, íngreme e a mulher libera líquidos no processo que podem ocasionar acidentes”, relata a profissional. Quando a puérpera desta madrugada terminou de subir os dois lances de escada já estava sentindo puxos. 
 
Felizmente, apesar de todo o percurso doloroso, a gestante realizou seu parto e seu bebê nasceu com saúde. No entanto, logo após o nascimento, surgiu mais uma violência: não haviam berços disponíveis para colocar a criança. Aos pais foi informado que a maternidade estava lotada e, sendo assim, não havia berços disponíveis para colocar o recém nascido, possibilitando que os pais descansassem, se alimentassem ou até mesmo fossem ao banheiro. Para Karolina, além de muito triste, o episódio é também muito simbólico: hoje não existem berços para o natalense que acabou de nascer. O povo de Natal não encontra acolhimento em nenhuma fase da vida, nem mesmo nas mais cruciais. 
 
“Para as mulheres acaba sendo uma via crucis subir aquilo ali em trabalho de parto avançado,porque a mulher sente a pressão do bebê. As mães têm medo de ter seu bebê ali naquela escada e a movimentação pode sim acelerar o trabalho de parto. Tem mulheres que não querem parir na Araken por já saberem do problema do elevador. Conheço histórias de mães que saem do seu distrito só para não correr o risco de ir para lá”, conta Karolina.  Casos como esse, assim como tantos outros já denunciados pelo Sindsaúde/RN,  ilustram o descaso do Prefeito Álvaro Dias (Republicanos) e da Secretaria Municipal de Saúde que desmontaram o Hospital Municipal, responsável por prestar atendimento para população, para colocar no lugar uma maternidade em um prédio que não atende as necessidades das mulheres porque não foi pensado para isso. A maternidade Araken nada mais é do que uma grande maquiagem. Um local que não está preparado para dar a assistência que se propõe. 
 
 
Um problema antigo
 
“No prédio antigo da maternidade já era uma rotina subir com as mulheres em trabalho de parto ativo. Quando mudou o prédio nossa esperança era de que as mulheres não passassem por isso mais, mesmo sabendo que o prédio é antigo e não foi projetado para ser uma maternidade”, relata a profissional. Sendo doula em Natal já há seis anos, Karolina presenciou diversas violências. O próprio coletivo que coordena já realizou uma denúncia formal onde as profissionais afirmam que a Araken é o tipo de maternidade que as mulheres já começam a sofrer violências desde a porta de entrada. Segundo ela, e muitos outros profissionais já ouvidos pelo Sindsaúde/RN, a unidade não fornece acolhimento e recepção adequada. 
 
Os (as) funcionários (as) da recepção não recebem treinamento para receber uma mulher em trabalho de parto e, sendo assim, não existe um manejo correto dessas mulheres que são recebidas em um estágio elevado de dor. Karoline descreve ainda uma burocracia muito grande para realizar a internação das gestantes e sucessivos episódios de acompanhantes e doulas, mesmo tendo cadastramento no município, sendo barrados no local. “Na triagem existem muitas perguntas e lá não tem a estrutura correta para receber uma mulher em trabalho de parto avançado. Elas, em trabalho e parto ativo, são obrigadas a responder diversas questões, ouvir normas e ficam sozinhas enquanto o (a) acompanhante faz a papelada da internação”, completa.
 
Falta de profissionais 
 
Há dois meses, ao ser barrada da cesariana de sua própria cliente, Karolina presenciou outra mulher, que foi deixada sozinha na sala de pré parto devido a falta de profissionais,  parindo sozinha. “Já imaginou? Um trabalho de parto desassistido dentro de uma maternidade”, exclama.  Durante o parto da madrugada desta quarta-feira (22), a doula foi testemunha, inclusive, de um pico de estresse da médica que estava realizando o atendimento. No momento, enquanto outros dois médicos operavam simultaneamente outras gestantes, a médica acompanhava duas mulheres ao mesmo tempo, já na fase do expulsivo. Tudo isso precisando subir e descer escadas, o que também é desgastante para o (a) profissional de plantão. 
 
“Quando a médica subiu para dar assistência à sala de parto, ela deixou a triagem sem ninguém e lá tinha mulher induzindo parto o que exige monitoramento fetal, pois a qualquer momento essa mulher podia entrar em trabalho de parto também. Não é seguro para essas mulheres, não é seguro para esses bebês a mulher estar em trabalho de parto e não ter o monitoramento cardíaco fetal intermitente” destaca Karolina. 
 
Subir escadas ajuda no trabalho de parto?
 
A doula responde que existem momentos que sim, se a mulher quiser, se movimentar. O que não é o caso dessas mulheres na parte final do trabalho de parto. Nesse estágio, a  mulher passa por uma transição para o expulsivo em que, de fato, dá essa sensação de desmaio, fraqueza, de queda de pressão. Caso a mãe não tenha conseguido se alimentar antes, ela precisa guardar essa energia para o momento do expulsivo que exige muita força e subir lances de escada faz com que elas percam essa força. 
 
Violência obstétrica 
 
Para Karolina, a violência obstétrica é, em sua essência, uma violência de gênero, porque quem sofre são as mulheres. Desse modo,vai desde a violência institucional, psicológica e  política, devido a falta de acesso a serviços, a exames, a estrutura digna e a assistência a que a mulher tem direito. “A gente deve começar a questionar o porquê de um sistema que foi feito para acolher mulheres não as acolhe. Será que se os homens parissem seria assim? Até porque a gente tem um prefeito homem, secretários homens, pessoas que não conseguem se colocar no lugar dessa mulher, principalmente nesse momento”. 
 
A doula encerra sua fala destacando o fato de que em Natal, as mulheres vão parir e não tem elevador, não tem profissional, não tem treinamento de equipe, não tem berço para colocar seus filhos e indaga: Quem está por nós?  “Somos nós por nós mesmas. Vemos muito que os próprios acompanhantes não têm voz ativa  porque nem eles conhecem os direitos dessas mulheres e tudo isso é fruto de uma cultura machista.Quem faz o parto é a mulher e para isso ela precisa das condições ideais. A assistência vai desde a calçada da maternidade até a alta e deve contar com a equipe multidisciplinar, transdisciplinar e respeitosa que elas precisam”, finaliza.