Fernanda Soares
Fernanda Soares

05/02/2014, 13h


"Ilustríssimo Sr. Secretário Municipal de Saúde,

Venho por meio desta, informar o infeliz fato ocorrido às 07h35min do dia 24 de janeiro de 2014. Eu, Magna Maria Pereira da Silva, enfermeira com matrícula nº 10138-9/SMS, atuante na Unidade de Saúde Familiar – USF Aparecida/Mãe Luíza, bairro de periferia de nossa cidade que, por ter a maioria de sua população constituída por indivíduos de baixa renda, infelizmente tende apenas a ser lembrado em épocas de eleições.

O fatídico episódio se deu quando um indivíduo já conhecido nas redondezas adentrou – sem nenhuma dificuldade – nas salas internas, durante o início do expediente administrativo da referida unidade de saúde, especificamente a minha. Sua primeira ordem foi para que eu não fizesse nenhum tipo de barulho, pois estava armado e não hesitaria em atirar se fosse preciso. Acuada e indefesa, pois estava em uma sala fechada apenas na companhia do meu agressor, não pude fazer nada a não ser calar-me e pedir a Deus proteção contra o pior. Procurei manter minha calma, pois não queria dar motivos para irritá-lo e segui fielmente aquilo que me foi pedido, afinal, já o vira diversas vezes em meu local de trabalho e continuarei a vê-lo nas proximidades. Por sorte e pela proteção de Deus, ele pediu apenas o colar que estava em meu pescoço e nada mais.

Todavia, por mais que as perdas materiais tenham sido ínfimas em detrimento daquilo que estava em risco, as consequências deste ato findaram por acarretar sequelas muito mais danosas em minha psique. O sentimento de completa insegurança em meu próprio ambiente de trabalho é permanente. Não consigo mais me ver segura dentro daquela Unidade de Saúde e isso finda prejudicando o meu trabalho. Como enfermeira, presto um serviço essencial à população e vejo a cada dia de trabalho que a minha classe como um todo não é devidamente reconhecida e valorizada por nossos gestores.

Apesar de ter a obrigação de gerir a saúde de nossa cidade, Vossa Senhoria não tem a mínima noção do que é ter de acordar todos os dias para ir trabalhar em um local completamente insalubre, sem condições mínimas de trabalho e que hoje convive com a total falta de segurança. Vossa Senhoria não sabe o que é ter de contar a quantidade de papel gaze – material básico no tratamento de qualquer ferimento, por mais simples que seja – e ter de decidir qual paciente receberá o tratamento ou não. Vossa Senhoria não sabe como é ter de negar a uma mãe o tratamento de seu filho, pois a Unidade de Saúde que deveria ser familiar não possui suprimentos médicos suficientes para tratar a todos. Vossa Senhoria desconhece do sentimento que temos ao tratar aqueles mesmos indivíduos que adentram em nosso local de trabalho para nos roubar, ameaçar e agredir.

Infelizmente, de dentro do seu gabinete, Vossa Senhoria não tem a mínima ideia daquilo que se passa dentro de nossos hospitais, postos de saúde e unidades de saúde familiares. Não temos segurança dentro de nosso ambiente de trabalho, pois não existem agentes de segurança no recinto. Não temos segurança ao realizar visitas domiciliares no interior de comunidades carentes dominadas por um governo paralelo, pois não temos um agente de segurança que nos acompanhe. A minha agressão não foi a primeira, e infelizmente não será a única. Nós somos pais, mães, avós, filhos, filhas, irmãos. Somos seres humanos como qualquer outro. Nós somos profissionais de saúde e prestamos um serviço de suma importância para a qualidade de vida de nossa população.

Tenho uma filha e uma mãe que depende dos meus cuidados e, hoje, por mais que eu ame aquilo que faço, tenho medo de me dirigir ao trabalho com receio daquilo que possa me acontecer, pois, frise-se, faço visitas domiciliares nas residências dos que nos assaltam e ameaçam constantemente e, apesar de logo após um assalto o desejo primordial de um ser humano seja nunca mais se deparar com o seu agressor, eu, pelo destino que me foi imposto pela minha profissão, continuarei à vê-lo todos os dias, temendo o que possa me acontecer ao deparar com ele ou com outros em outras ocasiões, prejudicando sobremaneira o exercício de minha atuação naquele local.

Isso posto, Sr. Secretário, através deste comunicado, o alertamos para o fato de que estamos angariando material probatório que ateste o completo caos no sistema de saúde municipal. Solicitamos providências em caráter urgente para a elaboração de um plano de contingências com o intuito de resolver as problemáticas aqui elencadas.

Atenciosamente,

Magna Maria Pereira da Silva"


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